quarta-feira, agosto 31, 2005
Animal Collective "Feels" (Fat Cat, 2005)
Há algum tempo, quando iniciava a minha actividade actual, um colega ligeiramente mais velho que eu desabafou. Disse que na nossa área já tudo o que era fácil ou mais óbvio tinha sido feito, e que nos restava apenas o que era difícil, aquilo que os que nos precederam não quiseram fazer porque não tiveram paciência para tal. Foi uma afirmação exagerada, mas com o seu quê de verdade. No pop-rock actual a situação não é muito diferente. Depois da sua infância, nos finais dos anos 60 chegou o primeiro choque do "está tudo feito". A solução encontrada pelas bandas na altura foi "complicar" e "refinar" o rock e a pop, dando origem ao que se veio a chamar rock progressivo. Com isso nasceu um periodo áureo do pop-rock, onde bandas como King Crimson, Pink Floyd ou Can brilharam com força. Não demorou muito tempo até que a procura da complexidade começasse a gerar o exagerado e o excessivo. Bandas como Rocket from the Tombs ou os Ramones vieram e mostraram que afinal ainda havia muito que fazer no rock, que não era preciso complicar. As coisas ficaram assim durante anos, os efeitos do punk irradiaram e iluminaram muita da música popular feita na década de 80.
Até chegarmos ao final da década de 90 e assistirmos à primeira crise criativa realmente a sério do pop-rock. Com o post-rock no ar e a electrónica cada vez mais presente, simplesmente parecia que não existia mais lugar para o rock no novo milénio que se avizinhava. Parecia, mas não era verdade. Aconteceu que os miúdos ainda queriam ouvir rock, e não conheciam o antigo. Aconteceu que não se importaram de ouvir bandas que copiavam descaradamente o antigo. Aconteceu que gostaram dos The Strokes, dos Interpol, dos Franz Ferdinand e dos Kaiser Chiefs. E então tornou-se óbvio que o rock passou a cumprir um outro espaço. Não o da novidade, provocação ou rebeldia, mas o da catarse de sentimentos e de vontade de se divertir com canções como estas. E então reapareceu o rock com um novo corpo, sem rebeldia, mas com tradições.
E... no entanto... será que ainda existe lugar para o lado irrequieto do rock de outrora? Será que a surpresa desapareceu definitivamente? Ouve-se bandas como Gang Gang Dance e pressente-se que ainda há algo no ar. Ouviu-se o "Sung Tongs" dos Animal Collective e viu-se que ainda há lugar para a novidade. Abrasamos com Wolf Eyes e sentiu-se a alma dilacerante do rock. Descobriu-se os Lightning Bolt e viu-se que afinal o rock ainda podia ser mais violento do que aquilo que parecia poder ser. Simplesmente tudo isto acontece numa nova cultura underground essencialmente americana. Sem as revoluções de outros tempos, é certo, mas ainda com o espirito de quem faz coisas que ainda não se fizeram.
E "Feels" dos Animal Collective aparece agora. Ouve-se "Feels" e a primeira reacção foi "mas que coisa estranha é esta?". Os Animal Collective continuam estranhos como outrora, talvez mais. À segunda audição começam a chover pedaços de memória no cerebro. Olha, aquilo parece The Beach Boys... e aquilo não é Pink Floyd? A dada altura chego mesmo a pensar que isto é novamente a tal pop feita com um aspirador que os Mercury Rev um dia fizeram, em épocas mais inspiradas. Continua-se a ouvir "Feels", perdido nestas considerações racionais, semi-intelectuais. Quando se dá por isso, surge a surpresa. Sem me aperceber estava irremediavelmente viciado nas melodias das canções de "Feels". E o que antes parecia uma forma mais rebuscada de fazer música pop, quase no espirito do que foi um dia o progressivo, passou a transparecer como um disco completamente instintivo, que se deixa levar por sentimentos dispares que fazem com que cada canção valha por 10. Não se trata de um disco com melodias muito inspiradas... trata-se de um disco em que cada canção trata de uma forma inesperada muitas melodias (nem sempre inspiradas), que ouvidas desta forma são um autêntico carrosel do pop-rock. As imagens de memórias passam pelas nossas cabeças, e também dá vontade de gritar "aleluia" como chega a acontecer na canção "The Purple Bottle" deste álbum. "Feels" é um daqueles discos que irão certamente adquirir um certo sabor de intemporalidade, mas por agora só resta ouvir o que lá está.
Há algum tempo, quando iniciava a minha actividade actual, um colega ligeiramente mais velho que eu desabafou. Disse que na nossa área já tudo o que era fácil ou mais óbvio tinha sido feito, e que nos restava apenas o que era difícil, aquilo que os que nos precederam não quiseram fazer porque não tiveram paciência para tal. Foi uma afirmação exagerada, mas com o seu quê de verdade. No pop-rock actual a situação não é muito diferente. Depois da sua infância, nos finais dos anos 60 chegou o primeiro choque do "está tudo feito". A solução encontrada pelas bandas na altura foi "complicar" e "refinar" o rock e a pop, dando origem ao que se veio a chamar rock progressivo. Com isso nasceu um periodo áureo do pop-rock, onde bandas como King Crimson, Pink Floyd ou Can brilharam com força. Não demorou muito tempo até que a procura da complexidade começasse a gerar o exagerado e o excessivo. Bandas como Rocket from the Tombs ou os Ramones vieram e mostraram que afinal ainda havia muito que fazer no rock, que não era preciso complicar. As coisas ficaram assim durante anos, os efeitos do punk irradiaram e iluminaram muita da música popular feita na década de 80.
Até chegarmos ao final da década de 90 e assistirmos à primeira crise criativa realmente a sério do pop-rock. Com o post-rock no ar e a electrónica cada vez mais presente, simplesmente parecia que não existia mais lugar para o rock no novo milénio que se avizinhava. Parecia, mas não era verdade. Aconteceu que os miúdos ainda queriam ouvir rock, e não conheciam o antigo. Aconteceu que não se importaram de ouvir bandas que copiavam descaradamente o antigo. Aconteceu que gostaram dos The Strokes, dos Interpol, dos Franz Ferdinand e dos Kaiser Chiefs. E então tornou-se óbvio que o rock passou a cumprir um outro espaço. Não o da novidade, provocação ou rebeldia, mas o da catarse de sentimentos e de vontade de se divertir com canções como estas. E então reapareceu o rock com um novo corpo, sem rebeldia, mas com tradições.
E... no entanto... será que ainda existe lugar para o lado irrequieto do rock de outrora? Será que a surpresa desapareceu definitivamente? Ouve-se bandas como Gang Gang Dance e pressente-se que ainda há algo no ar. Ouviu-se o "Sung Tongs" dos Animal Collective e viu-se que ainda há lugar para a novidade. Abrasamos com Wolf Eyes e sentiu-se a alma dilacerante do rock. Descobriu-se os Lightning Bolt e viu-se que afinal o rock ainda podia ser mais violento do que aquilo que parecia poder ser. Simplesmente tudo isto acontece numa nova cultura underground essencialmente americana. Sem as revoluções de outros tempos, é certo, mas ainda com o espirito de quem faz coisas que ainda não se fizeram.
E "Feels" dos Animal Collective aparece agora. Ouve-se "Feels" e a primeira reacção foi "mas que coisa estranha é esta?". Os Animal Collective continuam estranhos como outrora, talvez mais. À segunda audição começam a chover pedaços de memória no cerebro. Olha, aquilo parece The Beach Boys... e aquilo não é Pink Floyd? A dada altura chego mesmo a pensar que isto é novamente a tal pop feita com um aspirador que os Mercury Rev um dia fizeram, em épocas mais inspiradas. Continua-se a ouvir "Feels", perdido nestas considerações racionais, semi-intelectuais. Quando se dá por isso, surge a surpresa. Sem me aperceber estava irremediavelmente viciado nas melodias das canções de "Feels". E o que antes parecia uma forma mais rebuscada de fazer música pop, quase no espirito do que foi um dia o progressivo, passou a transparecer como um disco completamente instintivo, que se deixa levar por sentimentos dispares que fazem com que cada canção valha por 10. Não se trata de um disco com melodias muito inspiradas... trata-se de um disco em que cada canção trata de uma forma inesperada muitas melodias (nem sempre inspiradas), que ouvidas desta forma são um autêntico carrosel do pop-rock. As imagens de memórias passam pelas nossas cabeças, e também dá vontade de gritar "aleluia" como chega a acontecer na canção "The Purple Bottle" deste álbum. "Feels" é um daqueles discos que irão certamente adquirir um certo sabor de intemporalidade, mas por agora só resta ouvir o que lá está.
Comments:
belo texto e análise da situação musical (rock e afins) actual.
penso que este disco dos AC reflecte também a vontade de colaboração que existe actualmente em vários sectores musicais. já não existe o receio de colaborar com terceiros e de ser contaminado de forma óbvia.
a situação actual da fat-cat (com bandas como AC, Mice Parade, Vashti e múm em carteira) leva a que se criem coisas muito interessantes.
vais certamente notar a "influência" de todas estas bandas nos discos editados pela fat-cat nos próximos meses. ;)
ao não limitarem a colaboração a uma canção apenas (a kristín por exemplo toca piano em quase todas as canções do feels, sendo tudo muito free-flow) estão sem dúvida a levar as coisas um pouco mais além. my opinion though.
é a transformação da cultura de remistura (que quase desapareceu) para a cultura da colaboração. lol
zé
penso que este disco dos AC reflecte também a vontade de colaboração que existe actualmente em vários sectores musicais. já não existe o receio de colaborar com terceiros e de ser contaminado de forma óbvia.
a situação actual da fat-cat (com bandas como AC, Mice Parade, Vashti e múm em carteira) leva a que se criem coisas muito interessantes.
vais certamente notar a "influência" de todas estas bandas nos discos editados pela fat-cat nos próximos meses. ;)
ao não limitarem a colaboração a uma canção apenas (a kristín por exemplo toca piano em quase todas as canções do feels, sendo tudo muito free-flow) estão sem dúvida a levar as coisas um pouco mais além. my opinion though.
é a transformação da cultura de remistura (que quase desapareceu) para a cultura da colaboração. lol
zé
Não fazia ideia que a Kristín colaborava neste álbum dos Animal Collective :) Mas sabia, claro, que os Múm e os Animal Collective andaram juntos em digressão. A Fat-Cat é uma editora realmente interessante, porque vai buscar pessoas de áreas muito diferentes, mas que parecem ter sempre algo em comum... Isso é bom, abre novas perspectivas para todos :)
Tenho que ouvir esse disco rapidamente! Só oiço dizer bem dele, espero que tudo o que já li se venha a confirmar. Tenho esperança de os ir ver à ZDB dia 18.
Bom Blog.
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Bom Blog.