quinta-feira, outubro 13, 2005
Os Últimos Dias segundo Gus Van Sant
Numa entrevista recente à Plan B, os Sonic Youth falaram que participaram activamente na promoção deste filme (onde participam, a Kim Gordon como actriz e o Thurston Moore como supervisor musical) durante o Festival de Cannes. E a dada altura, o entrevistador (Everet True, jornalista que estive exactamente no ínicio do fenómeno Nirvana) diz que "it is time to take back what's ours". "Nosso"? De quem? Basicamente de uma comunidade, onde se incluem os Sonic Youth, mas também o Steve Malkmus e as Sleater-Kinney, por exemplo. É preciso que se saiba que se o Kurt Cobain fosse vivo estaria provavelmente a adorar Wolf Eyes ou as bandas ligadas ao "free-folk" que entretanto apareceram (é o que dizem os Sonic Youth). A vida (e a morte) tem destes acasos: durante os 10 anos após a morte de Kurt Cobain ligou-se mais os Nirvana a bandas como Stone Temple Pilots ou Bush, ignorando-se por completo donde eles vinham, ignorando-se inclusivamente que o Cobain nunca foi um "heroi".
Passados 10 anos sobre a morte do Cobain, Gus Van Sant decide fazer um filme inspirado nos seus últimos dias de vida. Inspirado, mas não baseado em factos reais: apesar de tudo, este filme é uma obra de ficção. Mas cheios de sinais da realidade. Era inevitável: para quem, como eu, viveu o fenómeno dos Nirvana, à partida vai-se ver este filme já com muitas ideias pre-concebidas acerca de como o Cobain deveria ser retratado. Exactamente o que se passou, de resto, com o último filme do Van Sant sobre os atentados de Columbine: o "Elephant". E o Elephant "falhou" justamente por causa disso, pois apesar de ter uma narrativa com um fluxo complexo, oferecia ao espectador exactamente os clichés que ele esperava ver sobre aquele atentado. Por causa disso, apesar de ser um filme escorreito e aparentemente "complexo", no final fica-se com um certo sabor a superficialidade na boca. Para "Last Days", contudo, Gus Van Sant parece apostar a fugir a todos os clichés do Kurt Cobain. A dada altura a personagem interpretada pela Kim Gordon diz justamente isso para o personagem principal: "Don't be another rock'n'roll cliché". E assim este filme defraudou todas as minhas expectativas acerca do que deveria lá estar sobre o Cobain. Mas a frustação sentida tinha mais a ver comigo do que propriamente com o filme, que ainda assim é uma obra de ficção. E aí salta o grande mérito do Van Sant: ao perceber que não podia cair numa recolha de factos conhecidos de todos acerca da vida do Kurt Cobain, decide evitar esses mesmos factos, mostrando acima de tudo a psicose do personagem principal e a sua alienação a partir de pormenores muito subtis. Decide também mostrar a insensibilidade de quem estava à volta, que não percebia ou não queria perceber o risco corrido pelo Blake (o alter-ego do Cobain no filme) com a excepção da personagem da Kim Gordon (que aqui parece estar a fazer um papel que ela própria desejaria ter desempenhado na vida real). Evita mostrar a música (não há uma única música dos Nirvana no filme), mas no entanto cria uma cena fantástica baseada na "Venus in Furs" dos Velvet Underground, metendo aí personagens que quase fazem lembrar o Lou Reed ou a Nico quando eram novos. É como se o Gus Van Sant invertesse perversamente a ordem cronológica das coisas, e é também uma forma de desmascarar a faceta entretanto criada de heroi rock do Kurt Cobain. Com Blake a andar vestido de menina (um hábito do Cobain, de resto), com a homossexualidade a andar por perto e ao não querer saber patavina do que existe no mundo exterior, Blake torna-se um verdadeiro anti-heroi, um exemplo a não seguir, mas por outro lado resgata-o para o lugar que ele merecia e onde queria estar: ao lado da comunidade onde nasceu, com os Sonic Youth, com a transgressão dos Velvet Underground, sem a presença ofuscante do sucesso que não suportava. E quais as razões que o levaram ao suicidio? Van Sant não oferece nenhuma resposta, fica ao critério de cada pessoa.
Numa entrevista recente à Plan B, os Sonic Youth falaram que participaram activamente na promoção deste filme (onde participam, a Kim Gordon como actriz e o Thurston Moore como supervisor musical) durante o Festival de Cannes. E a dada altura, o entrevistador (Everet True, jornalista que estive exactamente no ínicio do fenómeno Nirvana) diz que "it is time to take back what's ours". "Nosso"? De quem? Basicamente de uma comunidade, onde se incluem os Sonic Youth, mas também o Steve Malkmus e as Sleater-Kinney, por exemplo. É preciso que se saiba que se o Kurt Cobain fosse vivo estaria provavelmente a adorar Wolf Eyes ou as bandas ligadas ao "free-folk" que entretanto apareceram (é o que dizem os Sonic Youth). A vida (e a morte) tem destes acasos: durante os 10 anos após a morte de Kurt Cobain ligou-se mais os Nirvana a bandas como Stone Temple Pilots ou Bush, ignorando-se por completo donde eles vinham, ignorando-se inclusivamente que o Cobain nunca foi um "heroi".
Passados 10 anos sobre a morte do Cobain, Gus Van Sant decide fazer um filme inspirado nos seus últimos dias de vida. Inspirado, mas não baseado em factos reais: apesar de tudo, este filme é uma obra de ficção. Mas cheios de sinais da realidade. Era inevitável: para quem, como eu, viveu o fenómeno dos Nirvana, à partida vai-se ver este filme já com muitas ideias pre-concebidas acerca de como o Cobain deveria ser retratado. Exactamente o que se passou, de resto, com o último filme do Van Sant sobre os atentados de Columbine: o "Elephant". E o Elephant "falhou" justamente por causa disso, pois apesar de ter uma narrativa com um fluxo complexo, oferecia ao espectador exactamente os clichés que ele esperava ver sobre aquele atentado. Por causa disso, apesar de ser um filme escorreito e aparentemente "complexo", no final fica-se com um certo sabor a superficialidade na boca. Para "Last Days", contudo, Gus Van Sant parece apostar a fugir a todos os clichés do Kurt Cobain. A dada altura a personagem interpretada pela Kim Gordon diz justamente isso para o personagem principal: "Don't be another rock'n'roll cliché". E assim este filme defraudou todas as minhas expectativas acerca do que deveria lá estar sobre o Cobain. Mas a frustação sentida tinha mais a ver comigo do que propriamente com o filme, que ainda assim é uma obra de ficção. E aí salta o grande mérito do Van Sant: ao perceber que não podia cair numa recolha de factos conhecidos de todos acerca da vida do Kurt Cobain, decide evitar esses mesmos factos, mostrando acima de tudo a psicose do personagem principal e a sua alienação a partir de pormenores muito subtis. Decide também mostrar a insensibilidade de quem estava à volta, que não percebia ou não queria perceber o risco corrido pelo Blake (o alter-ego do Cobain no filme) com a excepção da personagem da Kim Gordon (que aqui parece estar a fazer um papel que ela própria desejaria ter desempenhado na vida real). Evita mostrar a música (não há uma única música dos Nirvana no filme), mas no entanto cria uma cena fantástica baseada na "Venus in Furs" dos Velvet Underground, metendo aí personagens que quase fazem lembrar o Lou Reed ou a Nico quando eram novos. É como se o Gus Van Sant invertesse perversamente a ordem cronológica das coisas, e é também uma forma de desmascarar a faceta entretanto criada de heroi rock do Kurt Cobain. Com Blake a andar vestido de menina (um hábito do Cobain, de resto), com a homossexualidade a andar por perto e ao não querer saber patavina do que existe no mundo exterior, Blake torna-se um verdadeiro anti-heroi, um exemplo a não seguir, mas por outro lado resgata-o para o lugar que ele merecia e onde queria estar: ao lado da comunidade onde nasceu, com os Sonic Youth, com a transgressão dos Velvet Underground, sem a presença ofuscante do sucesso que não suportava. E quais as razões que o levaram ao suicidio? Van Sant não oferece nenhuma resposta, fica ao critério de cada pessoa.
Comments:
Gosto muito do Gus Van Sant e este é um dos filmes que espero ver com mais ansiedade! As criticas não têm sido muito favoráveis, mas tenho esperança que seja um bom filme...
infelizmente nunca se pode garantir, à partida, que quando se vai ao cinema não se vai levar uma banhada.
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