quarta-feira, novembro 23, 2005
Icarus são um duo inglês (Ollie Bown e Sam Britton) já com vários álbuns editados. Um pouco como outros músicos ingleses (por exemplo, os Spring Heel Jack), os Icarus têm formação académica na área da música e começaram durante a explosão do drum'n'bass, contribuindo com alguns álbuns que evidenciavam uma preocupação bastante mais "abstracta" que a dos produtores que apostavam nas pistas de dança como o Goldie. Talvez por causa disso não conseguiram muita notoriedade, apesar de discos como "Kamikaze" e "Fijaka" serem tão bons quanto os melhores álbuns de drum'n'bass daquela época. O tempo passou, e o drum'n'bass perdeu-se no underground da música dança, fechado sobre si próprio. Restou o Amon Tobin a puxa-lo para outros campos, até porque músicos como os Spring Heel Jack abandonaram de todo o drum'n'bass abraçando o free jazz e a electroacústica. Os Icarus acabaram por ser um pouco mais fieis que os Spring Heel Jack, não abandonando por completo os beats do drum'n'bass, mas partiram em busca de uma complexidade inexistente noutros trabalhos e abraçando o experimentalismo. Até certo ponto, há nesta atitude algo semelhante ao que acontecia com os Autechre por alturas do "Confield", e agora que os Autechre estão bem mais "ligeiros", aparentemente restam os Icarus como experimentadores maiores da electrónica inglesa. "Carnivalesque", o novo EP, representa isso mesmo. Arrisco-me a dizer que é o álbum de electrónica mais aventureiro desde o "Confield" (isto para não falar do "Supermodified" do Amon Tobin, que atira mais para outras áreas), apesar de não ser propriamente uma revolução estilistica. O que os Icarus fazem é incorporarem o saber académico (música concreta, por exemplo) e o free jazz no corpo do drum'n'bass, e revistirem tudo com os virús da música generativa de uns Oval. O resultado é um disco muito duro de ouvir, mas que se revela diferente a cada nova audição, proporcionando sempre novas sensações no ouvinte. Longe de ser um wallpaper musical, "Carnivalesque" é uma intermitência microbiana, semi-quantica, onde nada parece ser certo e cada audição é uma nova observação que abre novas possibilidades ao ouvinte. Justamente como muitas faixas do "Confield" dos Autechre. Quem gostou de faixas deste álbum como "Lentic Catachresis" irá certamente mergulhar neste mundo com igual prazer.
Em apenas 2 anos, a netlabel Test Tube já lançou um impressionante número de álbuns e EPs em formato mp3. E, o mais surpreeendente, sempre com um nível de qualidade muito elevado. No quantum ducks já tinhamos destacado os lançamentos de Phoebus e Rui Gato, mas não deixamos de estar atentos ao output desta label. Chegou agora a vez de destacar o lançamento do EP de Lezrod, um colombiano fã de Brian Eno, John Coltrane e Autechre. Não raras vezes tem sido tentada uma ligação entre estes três mundos, o ambiental, o jazz e a idm, e Lezrod consegue de facto entrar nestes campos e lançar um EP rico nos detalhes e montado de uma forma irrepreensível. Cada samples é sequenciado e largado no exacto momento. Há muita frieza industrial e maquinal neste trabalho, mas isso não abala o outro lado deste EP, impregmentado de sabor a resistência num qualquer underground perdido na America Latina. Não vale muito a pena estabelecer pontos de contacto com outros músicos da America Latina como o Murcof. Por aqui há um sentimento personalizado que, contudo, é suficientemente universal para que este EP pudesse fazer sentido em qualquer parte do mundo. No fundo Lezrod também é um reflexo da tecnologia omnipresente que nos envolve e que atinge o mundo inteiro, seja ela representada pelo lado cibernético da internet ou pelo transito infernal das grandes metropoles da America do Sul. Podem sacar o disco aqui.
terça-feira, novembro 22, 2005
(1) commentssegunda-feira, novembro 21, 2005
Os Quantum Ducks fizeram bem em não tirar este site da lista de links: A Puta voltou renovada, com cara nova, e com belos textos. É uma bela noticia, e um excelente regresso. :)
Sigur Rós no Coliseu, ontem
Muito pouco tempo depois de editarem "Takk...", os Sigur Rós voltaram a actuar em Portugal. Foi um momento de reencontro para mim com esta banda: desiludido com o "()" (um álbum fraco, como ontem se viu, de resto, foram as canções deste álbum os momentos menos bons da noite), regressei a acreditar neles depois do EP "ba ba ti ki di do", escrito para uma peça de dança de Merce Cunningham (que em tempos idos quando ainda não eramos nascidos, coreografou música de John Cage). "Takk...", apesar de algumas fraquezas como um excesso de produção e de arranjos desnecessariamente complicados, exibe canções como "hoppípolla" onde o lado épico dos arranjos não é capaz de ofuscar a fulgurante emotividade da faixa. Previa-se que as versões ao vivo de "Takk..." fossem superiores à dos disco, devido ao facto de perderem os excessos de estúdio. Foi exactamente isso que aconteceu. Com um setlist hábil e equilibrado (que percorreu os álbuns "ágætis byrjun", "()" e "Takk..."), os Sigur Rós tocaram de uma forma irrepreensível, com garra e já com a tarimba de palcos das bandas mais veteranas. Sabiam exactamente como agradar o público, e fizeram. Mas ainda assim também souberam ir além da simplesmente reprodução do que foi gravado em estúdio, fazendo uma excelente gestão dos silêncios e das descargas de ruído, de tal forma que a dada altura chegaram mesmo a fazer lembrar os godspeed you black emperor!, a banda que os apadrinhou no inicio da carreira. O público, por outro lado, roçou várias vezes o histerismo adolescente um bocado exagerado, como se notou no silêncio da "viðrar vel til loftárása", onde um telemovel tocou e o público não resistiu e... riu. Para um público que exibia tanta "devoção" pela banda, é estranho quebrarem a concentração justamente num dos melhores momentos do concerto... Mas houve muitas palmas, e os Sigur Rós agradeceram no final.
Na 1ª parte houve as Amina, o quarteto que acompanha os Sigur Rós ao vivo. O EP "Aminamina" era promissor, com uma densidade algo depressiva. O concerto, contudo, foi uma desilusão. Com muitos novos temas, exibiram o B A BA da indietrónica, sem alma e sem chama, a citarem com uma enorme frequência bandas como os Múm. Mas faltava-lhes algum sangue, notava-se que era apenas simples entretenimento. A melhor faixa acabou por ser justamente a última, a mais divertida, com uma melodia que lembrava um pouco as experiências de Raymond Scott. Se as Amina seguirem este caminho, pode ser que ainda sejam interessantes. Se seguirem o caminho do resto do concerto, pode ser boa música para lojas com um qb de trendy.
sexta-feira, novembro 18, 2005
THIS HEAT BOX SUBSCRIPTION OFFER
THE BOX will contain all the released material, newly re-mastered (This Heat, Deceit, Made Available, Repeat, Health and Efficiency, PLUS a CD of unreleased material selected and re-mastered by Charles Hayward & Charles Bullen, PLUS a fat book of interviews, articles, photograph, memorabilia and documents that trace the history and contextualise work of the group.
For subscribers only, this will be a numbered edition and will come with an extra subscription item. The box is projected for the group’s 30th anniversary on February 13, 2006. Or soon thereafter. Subscribe now and you will receive the re-mastered version of the first record ‘This Heat’ (Blue and Yellow) in December, and the rest of the box as soon as it is ready.
quarta-feira, novembro 16, 2005
Complicado é o alter-ego de Miguel Gomes, músico português que lançou recentemente o seu primeiro álbum na editora Bor Land. Ouvindo a sua música percebe-se que o adjectivo "Complicado" faz algum sentido. Se numa primeira impressão se notam semelhanças com Old Jerusalem, rapidamente se começa a perceber que Miguel Gomes se preocupa em dar um enfase especial ao lado espacial das canções. Ou seja, estamos aqui na presença de um songwriter com canções de recorte vagamente folk, mas que depois deriva para espaços que lembram o krautrock (Can do disco "Soundtracks", por exemplo) ou então algum post-rock (os Labradford, principalmente). Não é disco de grande fulgor ou exuberancia, mas a forma habilidosa com que estes elementos são organizados e interligados fazem de "Haunted" um álbum a reter. Nalgumas canções como "Lover 26", Miguel Gomes consegue mesmo incutir uma dinâmica forte e a rockalhada parece intrometer-se neste disco, e isto apesar de reter o tal lado ambiental. "Sad Summer in Mindelo" é naturalmente triste, mas o som do acordeon puxa o disco para a tradição europeia dando-lhe uma surpreendente melancolia aportuguesada (e isto apesar da canção ser cantada em inglês). "Haunted" é uma boa surpresa, um disco a descobrir e ouvir.
terça-feira, novembro 15, 2005
O passado fim de semana foi marcado por uma ida à Guarda para assistir aos concertos de Meira Asher & Guy Harris no dia 11 de Novembro e Sussan Deyhim & Richard Horowitz no dia 12 de Novembro. Por entre morcelas tostadas, flocos de neve e uma visita guiada pelo músico Victor Afonso à excelente Mediateca da Guarda, assistiu-se a dois dos melhores exemplos da ligação entre a tradição da música vocal e a electrónica.
A Meira Asher é uma cantora israelita com uma vasta experiência nas artes performativas, que se tem notabilizado pela forma particularmente dura com que aborda alguns dos problemas sociais e politicos da actualidade (por exemplo, a SIDA, o conflito israelopalestianiano e o uso de crianças nas guerras). Voga entre o canto tradicional, o industrial e o noise, e há quem a tenha comparado à Diamanda Galás e a chame de cantora maldita. Neste concerto na Guarda apresentou-se, contudo, de uma forma bem mais pacificada (apesar de não prescindir dos ecos do passado mais chocante). Sem imagens projectadas, com um volume de som relativamente baixo (um dos problemas do concerto) e com pouca vontade de chocar o público, Meira Asher começou com uma canção do "Spears into Hooks" chamada "È un Uomo" (cantada em italiano ou latim?), que no contexto do álbum era uma comparação entre o sofrimento dos palestinianos com o dos judeus no holocausto e ainda o de Jesus Cristo na cruz. Nesta nova versão ao vivo, contudo, a canção perdeu um pouco essa simbologia. Mais à frente (e com um concerto fortemente baseado em canções inéditas) houve momentos muito fortes, com uma máquina de escrever e ainda com microfones de contacto e pequenas erupções de noise. A inspiração da parte instrumental (controlada por Guy Harries) parecia advir dos Pan Sonic e cultivadores do género noise como Merzbow, Kid 606 (do álbum "PS I love you") e de Scott Gibbons (também conhecido por Lilith). Faltou ao concerto um pouco mais de violência para ser mais eficaz.
A Sussan Deyhim e Richard Horowitz são francamente diferentes na abordagem à canção, muito mais tradicionais, apelando a uma onda mais contemplativa e interior da música persa. Baseada em poemas sufis, Sussan Deyhim é dona de uma voz fantástica, e não teve problemas nenhuns em usa-la. Richard Horowitz é particularmente sensível na forma como acompanha o canto de Sussan Deyhim, usando flautas e percussões discretas, que aquecem as canções. Nalguns momentos em que Deyhim assumiu de forma clara a sua faceta de experimentadora nas vocalizações, contudo, o concerto foi verdadeiramente exaltante, o que levou a pouco e pouco que o público fosse conquistado. Terminou com uma ovação de pé, e com canções em inglês que me fizeram lembrar vagamente a Diamanda Galás (justamente), o que me leva a supor que o novo álbum da iraniana seja a não perder de forma alguma.
quinta-feira, novembro 03, 2005
texto publicado na Mondo Bizarre, nº 23, Julho de 2005
A francesa Cecile Schott gosta de nos contar histórias. Não as histórias do “era uma vez...” que nos contaram uma vez, algures na infância, mas sim as histórias dos nossos sonhos e das nossas memórias. Coisas impregnadas algures no nosso interior, coisas que não conseguimos nomear ou explicar sequer. Não é por acaso que todas estas histórias contadas no novo álbum “The Golden Morning Breaks” são instrumentais, por vezes dando a sensação de inacabadas, quase sem palavras. Este álbum funciona quase como um espelho, pois canções como “I’ll read you a story” ou “The happy sea” rebuscam pedaços de nós. Musicalmente este novo álbum de Colleen é completamente acústico, pois a francesa decidiu abandonar os samples de “Everyone alive wants answers”, completamente rendida a um certo ideal de independência, onde tudo é para ser produzido por ela própria. E se aparentemente não há grandes diferenças entre os dois álbuns, audições mais atentas revelam que “The Golden Morning Breaks” consegue ser ainda mais onirico que o anterior, devido ao seu caracter semi-tosco que lhe dá um encanto aparentemente inacabado, ou se preferirem aberto. Aberto para a imaginação dos ouvintes.
Mondo Bizarre nº 24 chegou!
E aí está a nova edição impressa da Mondo Bizarre. Na capa temos os The Vicious Five e lá dentro muito nectar, como é habitual neste sumo:
Boards Of Canada - Richard Hawley - Lightning Bolt - Pelican - Death Cab For Cutie - The Skaters - Super Furry Animals - Richard Swift - Animal Collective - Silver Jews - Why? - Bor Land - Flanger - Franz Ferdinand - The Vicious Five - Devendra Banhart - The Deadly Snakes - Rogue Wave - The Weathermen
A minha contribução para este número foi, desta vez, mais pequena, com um artigo sobre os Boards of Canada e críticas aos novos álbuns de Murcof, vvv, Broadcast, Khonnor e Fennesz & Sakamoto.
Não queria também deixar de destacar a entrevista à Meira Asher feita por Victor Afonso (disponível apenas online), que irá actuar no próximo dia 10 de Novembro na Galeria Zé dos Bois, Lisboa, e dia 11 de Novembro na Guarda; e ainda a festa do 6º aniversário da Mondo Bizarre no Lisboa Bar no próximo dia 30 de Novembro. É também altura para dizer PARABÉNS Mondo Bizarre, pois claro. :)